MAL-ESTAR NO TEMPO DE THANATOS
TRECHO ...
O mundo contemporâneo é, de fato, um mundo de proposições descritivas, onde a realidade fenomênica da existência humana se baseia em discursos empobrecidos em sua racionalidade, com problemas insolúveis do ponto de vista ético e moral na ciência e na tecnologia, na política e na educação, além dos parâmetros do non sense presentes na velocidade do tempo, na desregulação normativa, no narcisismo corporal e no excesso de adicções.
Por outro lado, o conceito de contemporaneidade ainda não está amplamente definido, nem mesmo compreendido ou aceito na atualidade. Muito se tem escrito sobre a modernidade e a pós-modernidade, assumindo sempre a descrição de uma ruptura epistêmica com uma teorização centrada nas distinções entre uma e outra dimensão histórica.
Mas, na tentativa de localizar o drama do ethos contemporâneo, poderíamos enfatizar aqui que a contemporaneidade, por sua vez, arrasta consigo a vivência desses dois registros simbólicos e imaginários, cuja representação valida um tempo que se estrutura no campo de uma política de acontecimentos, de situações além do possível, onde a existência humana e as sociedades são tocadas pelo espírito da descontinuidade, da indeterminação de referências e de identidades em um mundo cada vez mais escasso e contingente. É um modo de vida que pressupõe a saturação dos espaços e do tempo na comunidade, cujo regime interior já não se baseia mais na lei ou na harmonia do ethos (costumes, modo de ser, carácter), senão em “existências inexistentes”, onde as relações recíprocas se veem afetadas por novos modelos de sensibilidade
Nessa nova ordem de composição da politéia contemporânea, surgem fatos, situações com novas tessituras, contextos com novos entrelaçamentos, instituições com novas formas de identidade e acelerações que criam novas formas sociais, das quais surgem novos objetos reordenados com novas idiossincracias, flutuando na delimitação de suas fronteiras, tocados apenas pelo sentido sem sentido de um sujeito agitado pela dúvida que vive na incompreensível meta de seus desejos.
Poder-se-ia dizer que a contemporaneidade é a sede lacunar de uma relação sem verdade, de um fato alheio ao possível, de uma existência que pode ser pensada como a expressão de uma fugacidade de sujeitos sem vínculos obrigatórios com o locus antropológico, que identifica a sociedade, a cultura e o indivíduo como manifestação comunal de partilhamento do logos. Agora, por este caminho, só existe uma ecologia da desesperança, medo e temor, para ser vivida como uma experiência indeclinável, intransferível, em um espaço democraticamente perturbado pela saturação de elementos políticos imersos em um itinerário de assimetria e anomia social. Este é o tempo de Thanatos no qual vigora um novo tipo de mal-estar.